Poemas de Cecília Meireles

Por Luana Castro Alves Perez

O vento, a água, o mar, o ar, o tempo, o espaço, a solidão e a música são alguns dos elementos simbolistas presentes nos poemas de Cecília Meireles.

Créditos da imagem: Cecília de Bolso: Uma antologia poética. Editora L&PM Pocket
Créditos da imagem: Cecília de Bolso: Uma antologia poética. Editora L&PM Pocket

Cecília Meireles foi uma das mais importantes poetas da literatura brasileira. Principal voz feminina de nossa poesia moderna, produziu vasta obra literária e deixou contribuições no domínio do conto, da crônica, da literatura infantil e do folclore, muito embora tenha ficado mais conhecida por seus versos de inclinação neossimbolista.

A poeta jamais se filiou a qualquer movimento literário, contudo, em sua obra, é possível perceber grande influência do Simbolismo. Nela estão presentes elementos como o vento, a água, o mar, o ar, o tempo, o espaço, a solidão e a música, elementos esses que conferem à poesia de Cecília Meireles um caráter fluido e etéreo. Esteve, ao lado de outros grandes nomes – entre eles Vinícius de Moraes –, no principal grupo de poetas da segunda geração do Modernismo brasileiro e, embora cronologicamente vinculada ao movimento, trilhou caminhos próprios ao apresentar uma poesia intimista, reflexiva e marcada por uma profunda sensibilidade.

Seu apreço pelo Simbolismo fez com que a poeta se interessasse pelo espiritualismo e orientalismo: foi admiradora e tradutora do poeta hindu Tagore, do chinês Li Po e do japonês Bashô. Do ponto de vista formal, Cecília Meireles demonstrou grande habilidade: é notável sua preocupação com a escolha do vocabulário e, assim como na poesia medieval portuguesa – outro de seus interesses –, escreveu versos curtos permeados pela musicalidade e pelos paralelismos. Sua poesia de fundo filósofico poucas vezes se desviou da orientação neossimbolista, porém, uma de suas mais conhecidas obras, Romanceiro da Inconfidência, aborda assuntos de natureza política e social. Nessa obra a escritora fundiu história e lenda para falar, em uma narrativa rimada, sobre os acontecimentos de Vila Rica à época da Inconfidência Mineira.

Ao mesmo tempo em que desenvolvia sua extensa obra literária, dedicava-se ao magistério, uma de suas grandes paixões. Lecionou literatura luso-brasileira na Universidade do Distrito Federal e deu cursos e conferências em vários países, entre eles Portugal e Estados Unidos. Cecília, que nasceu no Rio de Janeiro no dia 07 de novembro de 1901, faleceu aos 63 anos de idade, no dia 09 de novembro de 1964. Sua obra continua a despertar o interesse da crítica e do público, conquistando novos adeptos e comprovando a atemporalidade de sua produção literária. Para que você conheça um pouco mais de sua obra poética, o sítio de Português selecionou cinco poemas de Cecília Meireles que serão um convite para que você adentre o universo da primeira grande escritora de nossa literatura brasileira. Boa leitura!

“Sê sempre o mesmo. Sempre outro. Mas sempre alto. Sempre longe. E dentro de tudo”
Sê sempre o mesmo. Sempre outro. Mas sempre alto. Sempre longe. E dentro de tudo” 

Biografia

Escreverás meu nome com todas as letras,
com todas as datas,
e não serei eu.

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Repetirás o que ouviste,
o que leste de mim, e mostrarás meu retrato,
e nada disso serei eu.

Dirás coisas imaginárias,
invenções sutis, engenhosas teorias,
e continuarei ausente.

Somos uma difícil unidade,
de muitos instantes mínimos,
isso seria eu.

Mil fragmentos somos, em jogo misterioso,
aproximamo-nos e afastamo-nos, eternamente.
Como me poderão encontrar?

Novos e antigos todos os dias,
transparentes e opacos, segundo o giro da luz,
nós mesmos nos procuramos.

E por entre as circunstâncias fluímos,
leves e livres como a cascata pelas pedras.
Que mortal nos poderia prender?

Retrato em luar

Meus olhos ficam neste parque,
minhas mãos no musgo dos muros,
para o que um dia vier buscar-me,
entre pensamentos futuros.

Não quero pronunciar teu nome,
que a voz é o apelido do vento,
e os graus da esfera me consomem
toda, no mais simples momento.

São mais duráveis a hera, as malvas
que a minha face deste instante.
Mas posso deixá-la em palavras,
gravada num tempo constante.

Nunca tive os olhos tão claros
e o sorriso em tanta loucura.
Sinto-me toda igual às árvores:
solitária, perfeita e pura.

Aqui estão meus olhos nas flores,
meus braços ao longo dos ramos:
e, no vago rumor das fontes,
uma voz de amor que sonhamos.

Cântico XIII

Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.


Quem falou de primavera sem ter visto o teu sorriso, falou sem saber o que era” T

Onda

Quem falou de primavera
sem ter visto o teu sorriso,
falou sem saber o que era.

Pus o meu lábio indeciso
na concha verde e espumosa

modelada ao vento liso:

tinha frescuras de rosa,
aroma de viagem clara
e um som de prata gloriosa.

Mas desfez-se em coisa rara:
pérolas de sal tão finas
- nem a areia as igualara!

Tenho no meu lábio as ruínas
de arquiteturas de espuma
com paredes cristalinas...

Voltei aos campos de bruma,
onde as árvores perdidas

não prometem sombra alguma.

As coisas acontecidas,
mesmo longe, ficam perto

para sempre e em muitas vidas:

mas quem falou de deserto
sem nunca ver os meus olhos...

- falou, mas não estava certo.

Cecília Meireles

Reinvenção

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... - mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

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